Os desafios de manter a segurança dos pacientes com a pandemia de Covid-19 e a falta de recursos para os hospitais públicos
As infecções hospitalares, também chamadas de infecções relacionadas à assistência à saúde (Iras), pois extrapolam os hospitais e envolvem clínicas e demais instituições de saúde, são uma ameaça à segurança do paciente. As Iras estão entre as principais causas de morbidade e de mortalidade nos serviços de saúde e da elevação de custos para o tratamento do doente. Além dos problemas apresentados, existem sérias consequências acarretadas pelas Iras como alterações emocionais e psicológicas para o paciente e toda a família, e a imagem negativa da instituição de saúde onde o paciente adquiriu a infecção.
A pandemia de Covid-19 intensificou o problema, aumentou as taxas de infecção e da resistência microbiana na maior parte dos hospitais em todo o mundo e, no Brasil, com forte impacto nos hospitais públicos. Microrganismos cada vez mais resistentes aos antimicrobianos estão sendo identificados, fungos, como Candida auris, foi identificada pela primeira vez no Brasil em uma UTI de tratamento de pacientes com Covid-19 em Salvador Bahia e, mais recentemente, surtos em Recife, Pernambuco.
Estamos ficando sem alternativas terapêuticas para tratar diversas infecções hospitalares e as opções disponíveis têm custo elevado. O foco principal do controle da resistência microbiana está na prevenção das infecções com intensificação de processos fundamentais: a higiene das mãos; a limpeza e desinfecção do ambiente; precauções de contato e no gerenciamento do uso adequado de antimicrobianos no tratamento das infecções. São raras as instituições brasileiras que promovem trabalho consistente de prevenção da resistência microbiana, incluindo a rede privada.
Há 175 anos atrás, o diretor médico e obstetra Ignaz Semmelweis defendeu a prática de lavar as mãos com hipoclorito de cálcio como uma atitude obrigatória para os médicos e estudantes, em um Hospital Geral de Viena. Semmelweis observou importante redução na taxa de mortalidade das puérperas que desenvolviam sepse puerperal, após a implantação da higiene das mãos. Ele relacionou as mortes das puérperas com as mãos dos médicos e estudantes que eram contaminadas por “partículas cadavéricas” na sala onde estudavam peças anatômicas no início das manhãs, antes de irem realizar os partos. Na época, não se conhecia a origem microbiológica das infecções, posteriormente comprovadas por Louis Pasteur, Ferdinand Cohn e Robert Koch.
A higiene das mãos é reconhecida, mundialmente, como a medida mais importante na prevenção das infecções. É um dos pilares no controle das infecções hospitalares, incluindo aquelas decorrentes da transmissão cruzada de vírus, bactérias, fungos e microrganismos resistentes aos antibióticos.
Diversos fatores levaram ao aumento considerável das taxas de infecção hospitalar e da resistência microbiana nos últimos dois anos: falta de financiamento dos hospitais ligados ao Sistema Único da Saúde, agravada pela sobrecarga assistencial da pandemia de Covid-19, problemas de gestão, falta de profissionais e de insumos fundamentais para promover uma assistência segura como sabão e papel toalha, álcool gel de boa qualidade, antibióticos e equipamentos básicos. Também, muitos dos processos de qualidade assistencial e protocolos de segurança foram perdidos nas unidades de tratamento de Covid-19.
Infelizmente, em diversos hospitais, existe falta de sensibilidade e apoio administrativo para garantir a aplicação das medidas de prevenção de infecções. Medidas simples, como manter pias em condições de uso com água e sabão, papel toalha de boa qualidade, luvas e higiene do ambiente são negligenciados, bem como, manter a qualidade da água e do ar. A pandemia de Covid-19 nos mostrou a importância da engenharia clínica e dos projetos de arquitetura e de reformas que devem ter como premissas a qualidade e as trocas do ar interior com o ambiente externo, áreas para isolamento, principalmente nas unidades de emergência, e a importância da manutenção dos sistemas de ar-condicionado.
O Brasil precisa repensar o seu Programa de Controle de Infecção Hospitalar. Por um lado, torna-se necessário maior compromisso dos poderes públicos municipais, estaduais e federal, tanto com a administração dos hospitais, visando maior qualidade e segurança da assistência ao paciente, quanto pela aplicação da legislação para implantação de Serviços de Controle e Prevenção de Infecções Hospitalares com profissionais capacitados. De outro lado, é necessário ampliar os programas de formação dos profissionais de prevenção e controle das infecções hospitalares, o que torna mais importante o papel dos hospitais de ensino, principalmente ligados as instituições universitárias.
Os Hospitais Universitários não podem ser vistos apenas como polos de atendimento da demanda, cumprindo metas assistenciais, eles têm uma missão muito mais ampla que é a formação de profissionais altamente qualificados para o país, além da produção de conhecimento. Assim devem ser financiados para esta missão que envolve assistência de qualidade, ensino e pesquisa.
No atual cenário brasileiro, de grave crise econômica e assistencial, especialmente dos hospitais de atendimento público ligados ao Sistema Único de Saúde, é fundamental valorizar os programas de prevenção e controle de infecção hospitalar, tendo como princípios a Ciência, a ética, a empatia e colocando o paciente como centro da assistência segura.
Prof. Dr. Eduardo Alexandrino Servolo Medeiros Professor Associado Disciplina de Infectologia da EPM-Unifesp Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo – SPDM – Unifesp Pesquisador do CNPq e Diretor Científico da Sociedade Paulista de Infectologia. |
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Profa. Dra. Dayana Fram Professora Afiliada Disciplina de Infectologia da EPM-Unifesp Enfermeira Doutora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo – SPDM – Unifesp |