Entendendo o Impacto da Covid-19 na Sepse Bacteriana e Resistência a Antimicrobianos
Em 2013, o Fórum Econômico de Davos elencou as mudanças climáticas e a resistência a antimicrobianos (RAM) como umas das maiores ameaças à sobrevivência da raça humana no planeta. Hoje, a RAM é amplamente reconhecida como um dos principais problemas de saúde pública mundial. O uso de antimicrobianos constitui um dos principais fatores que contribuem para a seleção e disseminação de bactérias multirresistentes (MDR). No ambiente hospitalar, o uso de antimicrobianos associado à utilização de dispositivos médicos invasivos, realização de grandes cirurgias, prescrição de drogas imunossupressoras e quimioterápicos, utilização de antissépticos e desinfetantes, aliadas à falta da implementação adequada de medidas básicas de prevenção e controle de infecção constituem o cenário ideal para a disseminação de microrganismos MDR.
Durante a pandemia causada por SARS-CoV-2, houve um aumento significativo da prescrição de azitromicina, mesmo sem indicação formal, como agente imunomodulador para uma grande porcentagem dos pacientes ambulatoriais. No ambiente hospitalar, antimicrobianos de amplo espectro foram prescritos para pacientes com covid-19 apesar de vários estudos reportarem que as taxas de coinfecção bacteriana eram inferiores a 8%. Além disso, houve uma importante interrupção e desestruturação de vários serviços de saúde com a necessidade de ampliação dos leitos de terapia intensiva para atender à demanda. Dessa maneira, houve a contratação de funcionários com menor experiência nos cuidados aos pacientes graves, em uso de múltiplos dispositivos invasivos, e nas práticas do gerenciamento do uso de antimicrobiano e de controle de infecção hospitalar. Consequentemente, foi observado não somente no Brasil, mas em vários países, incluindo os Estados Unidos, um aumento da frequência das infecções relacionadas à assistência à saúde, incluindo àquelas causadas por bactérias MDR, como Acinetobacter spp., Pseudomonas aeruginosa e enterobactérias resistentes aos carbapenêmicos.
Tem sido previsto que o aumento do uso de antimicrobianos, a alteração das práticas clínicas habituais e nas práticas de controle de infecções durante a pandemia COVID-19, provavelmente levem ao aumento das taxas de resistência. Para avaliar o impacto da pandemia na etiologia e nas taxas de resistência a antimicrobianos em pacientes diagnosticados com sepse e síndrome respiratória aguda grave em nosso meio, o Hospital São Paulo integrará uma rede global de hospitais envolvendo outros 10 países (Malawi, Bangladesh, Índia, Nigéria, Irã, Turquia, Reino Unido, Itália, Suíça, Coreia) em um estudo de coorte observacional para determinar como as mudanças do uso antimicrobiano e da prevenção e controle de infecções durante a pandemia COVID-19 impactaram a etiologia e o perfil de sensibilidade dos pacientes hospitalizados com sepse de etiologia bacteriana e síndrome respiratória grave. Com esse objetivo, serão coletados dados clínicos e microbiológicos de pacientes hospitalizados no HSP entre novembro de 2019 (quatro meses anteriores ao caso índice de COVID-19 no Brasil reportado em 26 de fevereiro de 2020) e novembro de 2021.
Profa. Dra. Ana Cristina Gales
Por: Profa. Dra. Ana Cristina Gales Professora Adjunta e Pesquisadora da Disciplina de Infectologia da EPM/UNIFESP Diretora dos Laboratório Alerta e Laboratório Especial de Microbiologia Clínica
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