Melhor este, ou este?
Ler um oftalmologista escrevendo sobre uma das maiores angústias dos pacientes, a escolha da melhor lente, pode ser revelador.
Levei um tempo até desenvolver uma técnica onde não confundisse e nem fosse confundido com perguntas e respostas, pois “esse” pode ser pior que “esse”, e o caos está formado.
Transformar a pergunta em número, binário, como “melhor UM ou melhor DOIS”, ou ainda, cores (como em alguns equipamentos digitais que ajudam o usuário), é um recurso tranquilizador, que aumenta o controle de quem faz o exame, mas sei que não relaxa o examinado.
Uma das possibilidades que lançamos mão (e isso fica como um segredo médico, dito para vocês, leitores não oftalmologistas), é pedir para o próprio paciente girar um botão, que muda a nitidez das letras. Esse botão foi originalmente desenhado para o médico girar.
O usuário roda então, com o polegar e o indicador de uma mão, uma rosca que chamamos de sem fim, pois ela volta ao ponto de partida se rodarmos mais de uma volta inteira, até que as letras fiquem nítidas.
Porém, a angústia não se desfaz pela ferramenta, mas diminui muito, quando orientamos a pessoa, a borrar para um lado e para o outro, e parar no meio do caminho. Dai sim, a resposta vem, e aparece com uma precisão incrível.
É o paciente fazendo boa parte de sua receita médica !
Dessa narrativa decorre uma série de pontos. Primeiro, que o universo digital nem sempre é a melhor solução para todos os problemas humanos. Somos bastante analógicos. Sim, conseguimos redividir o binário, ampliar a complexidade dos algoritmos, até que eles reproduzam o comportamento das pessoas, mas muitas vezes não precisamos disso, podemos co-criar, com a máquina.
Em segundo lugar, precisamos conhecer os extremos para nos posicionar e escolher um lugar de conforto. Comparar entre sensações vivenciadas, ir de uma ponta a outra, nos permite “parar no meio”, e na vida essa atitude aparentemente óbvia não nos é colocada, e muitas vezes nós mesmos não a enxergamos.
Que tal ampliar o horizonte e testar, antes de escolher? E se a escolha não deixou as coisas focalizadas, vamos procurar (sozinhos) outras opções. A sensatez não vem por magia, e cada um tem seu ponto de tranquilidade.
Prof. Dr. Paulo Schor Colunista Diretor da Agência de Inovação Tecnológica e Social (AGITS) da UNIFESP Pesquisador Público, Professor Associado Livre-docente do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Escola Paulista de Medicina
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